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Gisele e Tereza no país dos tons de verde

Era uma vez duas meninas, que moravam num país distante, chamado Verde. Tinha esse nome porque era todo verde, quando visto bem do alto, de um avião por exemplo. Mas, chegando mais perto, o verde único se transformava em muitos tons diferentes, inclusive em outras cores.

Os tons de verde eram tantos que confundiam os olhos de Gisele e Tereza. Olhando para o mesmo lugar, enxergavam tons sempre diferentes. Isso acontecia com quase todas as pessoas. Um dia, o governo daquele país tão diferente, resolveu organizar essa questão, das diferentes percepções a respeito das cores. Dividiu as pessoas em dois grandes grupos: o dos verde-amarelos e o dos vermelhos.

No início, parecia que ia funcionar, mas…. não! As pessoas daquele país, agora divididas em dois grupos, jamais se entendiam, não eram mais um só povo. Além disso, de tanto roubar, aquele governo acabou caindo. Elegeram então um novo, que, no primeiro dia já decretou:

-Somos um país verde-amarelo!

-Ótimo, as pessoas pensaram, afinal, nosso país é verde mesmo, nunca foi vermelho.

Entretanto, apesar de todos enxergarem o verde, voltaram a vivenciar suas diferentes percepções a respeito da mesma realidade. Gisele, viajando de avião, enxergava um verde-escuro em boa parte do país. Tereza, também de avião, enxergava um verde-claro, mais desbotado. Era assim sempre que voavam juntas.

Lá embaixo, no solo, morava um agrônomo, Antonio. Viajava há quarenta anos, quase sempre de carro, de fazenda em fazenda, dando assistência técnica nas lavouras, consultorias e palestras sobre agroecologia, para produtores rurais. Ele também plantava um pequeno pedaço de terra.

Certa vez, Antonio dava uma palestra para grandes produtores de café, quando um deles levantou o braço para fazer uma pergunta. Esse produtor era, nada mais nada menos, que o pai das duas meninas, Gisele e Tereza (esqueci de dizer que elas eram irmãs). Perguntou ele:

– Professor Antonio, o senhor acha que os produtores devem receber dinheiro pelo fato de terem de manter em suas propriedades, áreas de conservação ambiental?

– Claro que sim, respondeu Antonio. Em minha opinião, se um produtor tem mil hectares e precisa preservar 20% disso, deveria receber do governo o correspondente a 20% do resultado (lucro) que obteve na parte das terras que usou. Afinal, quando comprou a propriedade, ele pagou por 100% dela.

– Minhas filhas também acham isso, professor!

A palestra continuou, até ser interrompida novamente por aquele produtor:

– Professor! O senhor acha que precisamos desmatar para produzir mais?

– Claro que não! Nossas áreas de lavoura correspondem a apenas 7,8% do Brasil. E já somos grandes exportadores de alimentos. Com algumas medidas simples, é possível triplicar a capacidade de nossas pastagens, que por sua vez, representam mais que o triplo da área ocupada com as lavouras. Então, não faz o menor sentido desmatar mais, para produzir alimentos. Nos trópicos, precisamos da floresta para equilibrar o clima. Se desmatarmos mais, colocamos a própria agropecuária em risco, entende?

– Sim, minha filha Gisele sempre fala isso. Nosso país conseguirá acabar com a fome no mundo, mestre?

– A fome é um problema político e social, não agronômico. Normalmente, por trás da fome existe um governo corrupto ou incompetente. O que você realmente coloca em seu prato? Arroz, feijão, verduras, legumes, frango, batatas, etc. Tudo isso somado não dá nem um quinto desses 7,8% de lavouras que temos no país. Há algum tempo já produzimos muito mais do que precisamos para alimentar a todos. Só que, das lavouras até as casas, perdemos ou desperdiçamos quase a metade do que produzimos. Também optamos por direcionar quase 80% da soja e do milho produzidos, para alimentar os animais, e depois comemos sua carne.

Gisele, que acompanhava o pai, até ali acenava com a cabeça concordando com tudo. Mas quando o professor falou sobre comer a carne dos animais, fez uma careta bem feia e pôs a língua para fora.

O interrogatório continuava…

– Mestre, minha filha Tereza fala que os outros países produtores de alimentos querem que a gente preserve as matas, para não concorrer com eles, no comércio internacional. É verdade?

– Não concordo com sua filha. Se algum país pensa assim, não conhece o nosso. Podemos facilmente duplicar nossa produção, se implementarmos ações inteligentes e bem articuladas. Por exemplo, incentivar de fato, não só na aparência, a integração agricultura-pecuária e agricultura-pecuária-floresta. Também podemos conseguir melhores preços pelos nossos alimentos, se soubermos divulgar melhor para o mercado, nossas políticas de preservação ambiental. Acabar de vez com o desmatamento, nos traria um ótimo bônus na hora de vendermos nossa produção, se soubermos capitalizar em cima dessa conquista.

– Pelo que vejo então mestre, justificar desmatamentos clandestinos, alegando que já preservamos a maior parte de nosso território, ou que preservamos mais que os países que nos acusam, não irá melhorar em nada, nossos resultados no comércio, não é mesmo, professor?

– Você tem toda razão, disse o mestre. É a velha mania que temos, de nos defender, atacando quem nos atacou. Na verdade, qualquer um desses países percebe que estamos, com esse contra-ataque, apenas tentando esconder nossa incompetência em acabar com os desmatamentos clandestinos só beneficiamos os infratores, que deviam era estar na cadeia. Ao invés de justificar nosso desmatamento com números, deveríamos acabar com ele, para sentarmos na mesa de negociações internacional, falando grosso!

– Uma última pergunta, mestre! O que o senhor acha desses novos projetos de lei que pretendem facilitar as licenças ambientais e também o registro de agroquímicos?

– Sobre as licenças ambientais, nós, que trabalhamos no agronegócio, sabemos o quanto é irritante consegui-las. Normas confusas, fiscais mais ainda, burocracias ridículas. É certo que as leis ambientais devem proteger a nós e nosso ambiente. Mas não precisam atrapalhar tanto a vida dos produtores. Eles são os maiores interessados na proteção ambiental. Se algum mau produtor estiver agindo de modo diferente, que seja punido.

Nessa altura da explicação, Tereza deu um sorriso, concordando com o professor.

– Quanto a facilitar o registro de agroquímicos, é mais um tiro no pé. As pressões para que isso aconteça, partem de todos os lados, mas na verdade possuem uma única origem: a indústria dos agroquímicos. E por quê seria um tiro no pé do agronegócio? Porque a grande maioria dos países que importam nossos produtos está cada vez mais restritiva, com relação ao uso dessas substâncias. Facilitando a liberação desses produtos, em pouco tempo começaremos a ver nossos navios voltarem, com suas cargas rejeitadas pela presença de traços de agroquímicos nos alimentos. Acrescento que, hoje já se sabe, diminuir o uso de substancias agressivas no solo é imprescindível para devolver a ele o equilíbrio e a fertilidade biológica, base para se colher cada vez mais, com menos.

Tereza arregalou os olhos e deixou escapar sua surpresa com os argumentos do professor.

– Além disso, continuou o mestre, nenhum produtor nesse país, nenhum mesmo, está colhendo menos pela falta de registro de algum produto. Eles querem é comprar menos produtos, baixar seus custos, otimizar seus processos. A agricultura, a partir de agora, se preocupa mais em melhorar seus sistemas: colher mais, utilizando menos insumos. Mais tecnologia não significa usar mais insumos comprados. Significa construir sistemas mais inteligentes, mais eficientes, que aproveitam melhor os ciclos naturais e os fluxos de matéria e energia dos agroecossistemas. Para que essa nova agricultura seja possível, precisamos de solos bem estruturados, remineralizados, ricos em húmus e descontaminados. Assim poderemos substituir boa parte dos insumos comprados, pelo trabalho gratuito dos organismos vivos do solo.

O professor encerrou a palestra, dizendo:

– A preservação ambiental e a produção agrícola são as duas faces de uma mesma moeda. Precisamos das duas! Mas generalizou-se em nosso país, a divisão de opiniões. A diversidade de opiniões é maravilhosa. Mas a dualidade (ser somente contra ou a favor) é quase tão burra quanto a unanimidade. Produtores que destroem nascentes, não são produtores bons; não estão ganhando dinheiro com isso, são simplesmente incompetentes. Hoje em dia, os produtores rurais de maior sucesso nos negócios são, justamente, os que têm mais cuidados com os recursos naturais. São os que aprendem a usar as forças naturais, sem destruí-las, pois querem deixar o melhor para seus filhos e netos. Eles sabem que o caminho é por aí.

Então, sob os aplausos dos produtores presentes, o professor encerrou sua palestra, dentro daquele velho galpão da fazenda. Lá fora, a chuva estava bem forte. Ao sair, Tereza provocou sua irmã Gisele (esqueci de dizer que eram gêmeas):

– Se já tivessem desmatado tudo, a gente não ia sujar nosso tênis nesse barro!

Antonio N. S. Teixeira

Diretor Executivo – IBA

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